ISSN 1982-1026

Boletim de História e Filosofia da Biologia

Publicado pela Associação Brasileira de Filosofia e História da Biologia (ABFHiB)

 Tradução de artigo publicado da área

 

“Sobre a relação entre ciência e ética”

Massimo Pigliucci

Massimo Pigliucci é Professor Associado de Ecologia e Biologia Evolutiva, Universidade do Tennessee, Knoxville, TN 37996-1100. Pigliucci está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia na mesma universidade.Este trabalho foi financiado em parte pela National Science Foundation, concessão IBN 9707552.

Correspondência:
pigliucci@utk.edu.

 

Tradução de:

Iago Pereira da Silva

Maíra Bittencourt

Maria Irene Baggio

Miécimo Ribeiro Moreira Júnior

Paulo Marcos da Silva

Walter Valdevino Oliveira Silva

Referência do artigo original:

PIGLIUCCI, Massimo (2003). On the Relationship between Science and Ethics. Zygon, 38(4): 871–895. Doi: 10.1111/j.1467-9744.2003.00544.x

Resumo

A relação entre ética e ciência tem sido discutida no quadro das teorias da continuidade versus da descontinuidade, cada uma das quais podendo assumir várias formas. Os teóricos da continuidade afirmam que a ética é uma ciência ou, pelo menos, que ela tem profundas similaridades com o modus operandi da ciência. Os teóricos da descontinuidade rejeitam tal equivalência, ao mesmo tempo que muitos deles afirmam que a ética lida com verdades objetivas e com afirmações universalizáveis, mas não no mesmo sentido que a ciência. Proponho, aqui, uma terceira visão de quase-continuidade (ou, de forma equivalente, quase-descontinuidade) que integra a ética e a ciência como parceiras iguais rumo à descoberta de novos conhecimentos. Nesse terceiro sentido, um projeto preconizado por William James, mas tornado viável apenas pelo avanço científico contemporâneo, a ciência pode e deve informar a ética em um nível profundo, e a teoria ética – indo além da ciência – não pode prescindir dela. Em particular, identifico quatro áreas de colaboração entre ética e ciência: investigação neurobiológica sobre a base do juízo moral, antropologia comparada, biologia evolutiva comparada de primatas, e modelagem de teoria dos jogos. Dou exemplos dentro de cada uma dessas áreas para mostrar como elas se ligam às teorias (incluindo as prescritivas) e às questões éticas. O artigo conclui com uma breve discussão sobre a luz que uma ética cientificamente informada pode lançar sobre alguns problemas clássicos da teoria moral, tais como as relações entre a racionalidade e o egoísmo, o egoísmo e o altruísmo, bem como o conceito de contrato social. Um projeto conjunto de investigação envolvendo filósofos e cientistas é necessário se quisermos conduzir a teoria ética para o século XXI.

Palavras-chave: teoria da continuidade; ética; biologia evolutiva; teoria dos jogos; neurociência.

       Uma questão recorrente na ética diz respeito à sua relação com a ciência. Seria a ética, em algum sentido razoável, uma ciência, ou, pelo menos, compartilharia alguma semelhança fundamental com as ciências? Se não, será que temos alguma esperança de nos empenharmos em uma busca de objetividade e de universalidade no que diz respeito ao discurso moral? Esse debate tem uma longa e complexa história de ambos os lados, uma história que inclui a famosa articulação de David Hume da “falácia naturalista” ([1739-40] 1978), a mais recente discussão de G. E. Moore sobre o mesmo assunto (1903), e, claro, o projeto de William James (1891; 1918) que visa um diálogo entre filosofia moral e psicologia moral. Não tento, aqui, fazer um comentário aprofundado dessas e de outras contribuições históricas relevantes, mas um breve resumo de alguns dos principais tópicos que pode ajudar a preparar o terreno para um exame sobre as opiniões contemporâneas discutidas neste artigo e para a minha própria contribuição ao debate atual.
       A versão de Hume da falácia naturalista, de que não se pode derivar automaticamente um deve ser de um ser, foi assim resumida de forma célebre:

Em todo sistema de moral que até hoje encontrei, sempre notei que o autor segue durante algum tempo o modo comum de raciocinar (…) quando, de repente, surpreendo-me ao ver que, em vez das cópulas preposicionais usuais, como é e não é, não encontro uma só proposição que não esteja conectada a outra por um deve ou não deve. Essa mudança é imperceptível, porém da maior importância. Pois, como esse deve ou não deve expressa uma nova relação ou afirmação, esta precisaria ser notada e explicada; ao mesmo tempo, seria preciso que se desse uma razão para algo que parece inteiramente inconcebível, ou seja, como essa nova relação pode ser deduzida de outras inteiramente diferentes (Hume [1739–40] 1978, Treatise III[i]1; (Tratado, 1978, p. 469; 2009, p. 509).

       Hume estava criticando a tradição racionalista, que ele via como repleta de transições édeve injustificadas. Embora as críticas de Hume pareçam limitar severamente a relevância das ciências naturais para a solução de questões morais, é preciso observar duas coisas importantes. Primeiro, Hume nunca demonstrou, nem alegou ter demonstrado, que não se pode fazer uma conexão entre fatos naturais e imperativos morais. Ele simples e razoavelmente afirmou que, caso se desejasse fazer tal conexão, era preciso estar disposto a fornecer um argumento para a aceitação desse tipo de movimento. Em segundo lugar, Hume também é famoso por ter afirmado que “a razão é, e deve ser, apenas a escrava das paixões” (Treatise III[iii]3); Tratado, Livro 2, Parte 3, Seção 3, p. 451), afirmação através da qual poderíamos, de forma razoável, derivar que nossas ações – inclusive as decisões morais – encontram suas raízes em nossa natureza como seres biológicos – certamente uma profunda conexão entre as ciências naturais e a filosofia moral, se é que alguma vez existiu alguma.
     James articulou sua visão da conexão entre ciência (psicologia em particular) e teoria ética em seu ensaio “The Moral Philosopher and the Moral Life” (1891) e, dentro de uma estrutura mais ampla, em The Principles of Psychology (1918). O argumento de James para uma conexão estreita entre ciência e ética repousava na ideia de que o que chamamos de valores está enraizado em nossa psicologia. De particular interesse, aqui, é a sugestão de que nossos instintos (em última análise, as dores e os prazeres que sentimos como animais – veja Hume) fornecem a base para nossa moralidade vista como “superior”, bem como os fundamentos para a objetividade na ética. É por isso que a ética, segundo James, é, de fato, uma ciência empírica, e a teoria moral não pode ser desenvolvida independentemente da estrutura real do universo lá fora.
     Esse tipo de raciocínio leva diretamente a um tipo de realismo ético, baseado em uma interpretação naturalista da ética. Como é bem sabido, no entanto, pode-se ser um realista ético de maneira completamente diferente de Moore, que apresentou uma versão mais obscura e menos espirituosa da falácia naturalista do que a de Hume. Ao discutir a definição de bom, ele diz:

Pode ser verdade que todas as coisas que são boas também sejam algo mais, assim como é verdade que todas as coisas que são amarelas produzem um certo tipo de vibração na luz. E é fato que a Ética visa descobrir quais são as outras propriedades pertencentes a todas as coisas que são boas. Mas muitos filósofos pensaram que, ao nomear essas outras propriedades, na verdade estavam definindo o bem (…) Esta visão eu proponho chamar de “falácia naturalista.” (citado em Darwall, Gibbard e Railton, 1997a, p. 54)

     Em outras palavras, valores são fatos, mas sua natureza é totalmente diferente daquela dos objetos de estudo das ciências naturais e, portanto, o estudo dessas últimas não ajuda o filósofo moral, mesmo que ele pense que os valores são “fatos” em algum sentido (bastante obscuro) da palavra.
     Finalmente, chegamos a autores mais modernos como J. L. Mackie ([1977] 1997) e seu “argumento da estranheza”, que leva à rejeição da existência de quaisquer “fatos” morais e, portanto, um exame do mundo não pode possivelmente nos levar à descoberta de qualquer valor moral inerente a ele. O palco está, então, montado para a chamada ética existencialista e para a ideia de que temos liberdade radical de escolha por causa da natureza não factual dos valores.
    Chegando à literatura ética contemporânea, encontramos duas posições básicas que dizem respeito à relação ética-ciência, a da continuidade e a da descontinuidade, cada uma delas subdividida em várias escolas de pensamento. Simplificando, a posição da continuidade sustenta que a ética é de fato uma ciência ou, pelo menos, que ela compartilha alguns dos atributos das ciências naturais. Os três tipos gerais de teoria da continuidade reconhecidos e discutidos por Stephen Darwall, Allan Gibbard e Peter Railton (1997b) são o neo-aristotelismo, o neo-reducionismo pós-positivista e o reducionismo. Os principais ramos da teoria da descontinuidade — a ideia de que ciência e ética são fundamentalmente diferentes —, resumidos pelos mesmos autores, incluem teorias do raciocínio prático, construtivismo, não-cognitivismo e teorias da sensibilidade. Uma discussão completa sobre eles está além do escopo deste artigo, mas analisarei brevemente cada um para extrair o que eles têm em comum. Em seguida, apresentarei um esboço do que percebo como uma terceira via – aqui denominada de quase-continuidade (poderia, com igual validade, ser chamada de quase-descontinuidade) – e a exponho por meio de exemplos. Concluo com algumas reflexões sobre para onde, em um futuro previsível, um programa conjunto de pesquisa ciência-ética (inserido em uma teoria quase-contínua da relação entre as duas disciplinas) pode ser levado.
      Mais dois pontos preliminares introduzem nossa discussão. Primeiro, é óbvio que o outro lado do debate da ética como ciência depende da resposta a outra questão fundamental: o que é ciência? Para o propósito deste artigo, remeto o leitor à ampla literatura sobre o último assunto (ver Popper, 1968; Kuhn, 1970; Lakatos, 1977; Kitcher, 1995; Cleland, 2001). No que se segue, considero a ciência uma busca por verdades aproximadas sobre o mundo, empregando uma combinação de métodos observacionais e experimentais usados nos testes de hipóteses.[1]
     Em segundo lugar, independentemente de qualquer posição em relação ao continuum ética-ciência, é claro que tanto a ciência quanto a ética progrediram ao longo dos séculos, embora de maneira diferente, a taxas diferentes e certamente não sem contratempos e becos sem saída. A defesa do progresso na ciência é clara, apesar do discurso retórico de alguns pensadores pós-modernistas extremos (ver Hacking, 1999 para uma discussão maravilhosa sobre esse tópico). Há pouca dúvida de que a teoria copernicana é uma versão melhor do mundo do que sua predecessora geocêntrica, e o mesmo vale para a teoria da relatividade quando comparada à mecânica newtoniana. Pode-se pensar que esse raciocínio seja mais difícil de ser aplicado à ética, mas atualmente existe um consenso geral no Ocidente sobre certas respostas para questões morais, um consenso que não existia há menos de cinquenta anos. Existem, é claro, sociedades que não compartilham desse perfil moral (o antigo Talibã no Afeganistão, por exemplo); no entanto, correndo o risco de ser considerado um chauvinista cultural, isso não significa que o consenso ocidental não represente um verdadeiro progresso na ética, mensurável por conceitos reconhecidamente vagos como o grau de florescimento humano nas sociedades modernas. A situação não é muito diferente no que concerne à ciência, já que os talibãs também não aceitam a ciência contemporânea. Como outro exemplo, muitos cristãos fundamentalistas não apenas não compartilham do consenso ocidental sobre ética, mas também rejeitam a teoria evolutiva, embora saibamos que a biologia evolutiva está no caminho certo (Pigliucci, 2002). Sugiro, a seguir, que parte desse progresso na ética pode ser explicado por uma melhor compreensão da natureza dos seres humanos e das sociedades, conforme revelado pela ciência.

Continuidade: noções básicas

    Consideremos o primeiro tipo de teoria da continuidade, o neoaristotelismo. Um dos principais expoentes é Philippa Foot (1972), que vê as regras morais como não sendo diferentes de regras de etiqueta, no sentido de serem mais ou menos arbitrárias dentro de uma sociedade particular. O que torna a ética mais importante do que as regras de etiqueta é que, para nós, a promoção do bem-estar humano é de suma importância, enquanto seguir as convenções é muito menos importante. Essa visão tem continuidade com a da ciência na medida em que, embora rejeite a ideia do bem cósmico, vê o bem como dependente da psicologia dos interesses e desejos humanos, que é o resultado da evolução biológica em um ambiente social. (James se sentiria confortável com tal perspectiva.) Como veremos, tanto algumas escolas de continuidade quanto algumas de descontinuidade apelam para a biologia evolutiva como sustentação. Defendo que é esse vínculo razoável e amplamente reconhecido com a biologia que torna uma abordagem quase-contínua ainda mais palatável.
   O segundo tipo de continuidade, o neorreducionismo pós-positivista, afirma que o equilíbrio reflexivo é um método compartilhado pela ética e pelas ciências naturais. Ambos avaliam crenças (ou teorias) apelando para evidências, bem como para teorias correntemente aceitas. Um exemplo disso pode ser encontrado nos escritos de Richard Boyd (1988), que sugere que as propriedades morais podem ser irredutíveis e, ainda assim, eficazes do ponto de vista explicativo. Boyd usa analogias com as ciências naturais, alegando, por exemplo, que alguns tipos naturais em química ou biologia, como o ácido ou o gene, não são redutíveis a tipos naturais da física e, contudo, não representam um problema para químicos ou biólogos. No entanto, parece provável que haja uma desanalogia, aqui, em que os tipos naturais em todas as ciências são, pelo menos, potencialmente redutíveis a tipos naturais da física simplesmente porque é disso que eles são feitos (todos os produtos químicos, biomoléculas etc. são feitos de átomos e partículas subatômicas).[2] Além disso, quando tal redução não é óbvia, isso decorre de propriedades emergentes de sistemas complexos que são passíveis de investigação científica através da matemática não linear (Perry, 1995). É muito difícil imaginar algo análogo a isso dentro da ética.
   O terceiro tipo principal de teoria da continuidade é o reducionismo. Existem diversas variedades desse reducionismo, algumas das quais levam ao relativismo, outras não. Railton (1986), por exemplo, sustenta que o julgamento moral pode ter valor de verdade de maneira não epistêmica, que as verdades morais são objetivas apesar de serem relacionais, que as propriedades morais sobrevêm às propriedades naturais (e poderiam ser redutíveis a elas) e que as propriedades morais e a investigação empírica são análogas. Railton continua sugerindo que, embora saibamos um pouco mais sobre moralidade do que costumávamos saber, há muitas razões para pensar que as teorias morais atualmente aceitas podem estar fundamentalmente erradas, que um agente pode não ter motivos para obedecer a um imperativo moral e que, em geral, é improvável que um único conjunto de regras morais possa ser aplicado apropriadamente a todas as sociedades e a todos os indivíduos. Apesar das afirmações de Railton, um cientista pode ter razão em se sentir perdido ao identificar as similaridades entre tal teorização ética e o empreendimento científico, dado que Railton fala sobre verdades não epistêmicas. Aliás, essa inquietação é um sentimento recorrente sempre que as teorias da continuidade são discutidas do ponto de vista da ciência.
      Outros autores abordaram o paralelo entre ética e ciência de forma mais direta. De acordo com Abraham Edel, por exemplo, “a ciência é apenas o ponto extremo ao longo de um continuum de ser mais ou menos científico” (1980, p. 8), embora os exemplos citados por Edel sejam pouco convincentes a esse respeito: Kepler realmente se envolveu em reflexões astrológicas, mas isso não indica que a astrologia é uma ciência, apenas que Kepler estava errado nessa abordagem, apesar de suas enormes realizações em relação à forma das órbitas planetárias. Edel sugere que as ciências sociais apresentam algum grau de “cientificidade” e que, talvez, a ética não fique muito atrás. Embora a sugestão seja interessante, ela fica aquém de qualquer argumento positivo real sobre a cientificidade da própria ética. Edel, então, ataca tanto o valor factual quanto as distinções meio-fim como sendo artificiais, tanto na ética quanto na ciência. A dicotomia fato-valor supostamente corresponde à distinção entre investigação descritiva e prescritiva em ética. Isso pode muito bem ser verdade, mas o fato apontado pelo autor de que termos morais têm usos não morais e que termos descritivos podem implicar significado moral é uma observação sobre a linguagem, e sua relação com a questão da relação entre ciência e ética não é nada clara.
       Da mesma forma, o ponto de Edel de que, na ciência, a coleta de informações não é isenta de valor também pode resistir ao escrutínio sociológico, mas isso é algo distinto da carga teórica das investigações científicas empíricas. A primeira é algo que os cientistas se esforçam para evitar; a última é parte integrante e reconhecida do método científico. Edel continua descartando a existência de desacordos fundamentais dentro da comunidade ética como sendo evidência de que o campo – ao contrário da ciência – não está “indo” a lugar nenhum e que isso pode ocorrer simplesmente porque não há “lá” para onde ir. Novamente, embora o ponto seja bem abordado (desentendimentos profundos, de fato, pontuaram a história da ciência, bem como a da filosofia), isso, por si só, não é mais do que uma observação interessante, não um argumento positivo para estabelecer uma profunda similaridade entre ética e ciência. O ônus da prova está com a escola da continuidade para mostrar positivamente por que devemos considerar a relação ética-ciência mais do que uma analogia superficial, ou mesmo enganosa. Na verdade, Edel parece encontrar uma barreira ao se voltar para a importância da testabilidade de longo alcance na ciência. De onde viria tal testabilidade nas teorias éticas? Como seria implementada? Eu, no entanto, concordo com Edel que “[s]e um filósofo moral invocasse uma teoria da natureza humana (…) ele correria o risco de ser acusado de fazer psicologia ou sociologia em vez de ética” (1980, p. 13), o que não deveria ser o caso, uma vez que as teorias da natureza humana deveriam inserir-se na ética como pilares fundamentais de nosso discurso moral, como argumento abaixo.
       O problema de testar as teorias morais também é abordado por Virginia Held (1983), que argumenta que elas podem ser testadas pela “experiência moral” – um conceito extremamente vago em si. Held tem um bom ponto ao argumentar que as teorias morais devem ser julgadas mais do que apenas pela coerência, neste sentido, de forma semelhante às teorias científicas. A agenda de Held não é tão ambiciosa quanto a de outros estudiosos da continuidade; ela começa com o reconhecimento de que as teorias morais são normativas, não descritivas, e que o interesse reside em explorar a analogia entre ciência e ética. Um grande problema na abordagem de Held é a vaga definição de teste que é adotada: “examinar como ela [uma teoria moral] resiste ao escrutínio crítico, ver como ela dura contra a erosão do tempo e da crítica e observar como ela supera as provações e obstáculos a que está submetida” (1983, p. 168). Isso leva Held a comparar o “teste” de caráter de uma pessoa diante da adversidade com o “teste” de um conjunto de instruções para fazer um carro. A desanalogia deveria ser evidente, e nenhum cientista aceitaria que os dois sejam remotamente análogos. Na verdade, Held vai ainda mais longe ao afirmar que a previsão na teoria moral é a capacidade de prescrever o futuro com base em imperativos morais gerais ou julgamentos morais universais. Mas uma prescrição não é uma descrição do que realmente acontecerá, apenas uma declaração sobre o que deve acontecer. Os exemplos de Held não são nada convincentes: “do imperativo moral geral ‘não torturar seres humanos’, pode-se derivar o imperativo particular ‘não torturar esta pessoa nesta prisão’” (p. 169). Em que sentido isso é análogo a uma previsão científica? O argumento de Held rapidamente se torna ainda mais questionável: “[s]e escolhermos agir e executar a ação escolhida e se julgarmos que fizemos a coisa certa, nós, assim, refutamos uma teoria que recomenda que não façamos isso” (p. 172). Isso não é uma refutação de qualquer teoria; é simplesmente ignorar um comando moral porque discordamos dele ou achamos que ele não é obrigatório. Tal desacordo ou falta de coação não pode ser permitido em relação à teoria da gravidade. Além disso, Held define a experiência moral crucial simplesmente como “a experiência de escolher conscientemente” (p. 173). Isso certamente não é o que os cientistas querem dizer com evidência empírica.
      Held, como Edel, tem que abordar o problema da discordância entre os filósofos sobre as conclusões éticas fundamentais. Ela o faz lembrando-nos de que nenhum cientista invalidaria uma teoria física por causa do fracasso de um experimento de laboratório de segundo ano de graduação; analogamente, sustenta Held, não devemos rejeitar teorias morais porque nossa avó discorda delas. No entanto, no caso da filosofia – e ao contrário do que geralmente acontece na ciência – ocorrem divergências profundas entre os especialistas da área, não apenas com a própria avó. Na ciência, tal desacordo certamente não é inédito, mas certamente é um sinal de grande problema, não de progresso normal (Kuhn, 1970).
       Ronald L. Hall (1984) adota uma abordagem ligeiramente diferente para a questão da continuidade entre ética e ciência, propondo essencialmente que a ciência não é realmente o que a mitologia ocidental moderna considera ser, e é por isso que a ética é realmente semelhante à ciência. Em outras palavras, enquanto a ética não pode resistir a uma versão idealizada da ciência vista como um progresso constante em direção à verdade, ela pode ser comparada favoravelmente à coisa real, significativamente mais confusa, conforme aparece em muita literatura da filosofia da ciência. Hall não está no empreendimento simplista de considerar a ciência apenas outra construção social, mas simplesmente apontar que a ciência é mais complexa e incerta do que é descrita nos livros didáticos não constitui um argumento positivo para a afirmação de que a ética deve ser considerada análoga à ciência de alguma forma significativa.
       No geral, fica-se com a impressão de que o maior fracasso das abordagens da continuidade é que elas se baseiam em uma concepção simplista de ética ou (mais frequentemente) de ciência. O inquestionável, ainda que acidentado, progresso da ciência é difícil de ter paralelo na ética, o que deveria, pelo menos, nos fazer pensar antes de aceitarmos qualquer equivalência entre os dois empreendimentos. Os significados de teoria, testabilidade e fato nas duas disciplinas são radicalmente diferentes e podem ser incomensuráveis. Além disso, a dicotomia fato-valor não é genuinamente análoga à distinção entre dados e teoria na ciência. Mesmo que reconheçamos uma visão mais moderna, menos positivista, do empreendimento científico, como deveríamos, a carga teórica da ciência não justifica uma equivalência com a ética – a menos que se adote uma atitude pós-moderna extrema no sentido de que a ciência seja apenas ou principalmente uma construção cultural (e com o alto preço de reduzir a ética também a esse nível). Os teóricos da continuidade simplesmente não demonstraram de forma convincente que a ética pode ser considerada uma ciência em seus estágios iniciais de desenvolvimento.

Descontinuidade: noções básicas

        O primeiro grupo de teorias da descontinuidade encontra-se no âmbito do raciocínio prático (Darwall, Gibbard e Railton, 1997). Aqui, a objetividade é garantida não pela existência de uma ordem metafísica independente, mas pelas demandas, supostamente universais, impostas ao agente pela razão prática (por exemplo, Nagel, 1970; Korsgaard, 1986). A razão pela qual ciência e ética são vistas como distintas é o caráter prático desta última (ela precisa responder a perguntas como “O que eu faço?”) em oposição à preocupação teórica da ciência com as leis da natureza. O problema que vejo com essa abordagem é que sua renúncia a abordagens teóricas coloca sua suposta objetividade em terreno instável. Por que as exigências impostas ao agente pela razão prática são universais? A fonte dessa universalidade é assumida em vez de discutida, deixando o leitor com uma sensação inquietante de arbitrariedade que permeia toda a abordagem.  
      Um segundo tipo de descontinuidade é encontrado no construtivismo, como em John Rawls (1980). Aqui, novamente, encontramos uma espécie de dualismo na reivindicação de objetividade para a ética, ao mesmo tempo em que negamos que esse dualismo seja do mesmo tipo encontrado na ciência. O construtivismo rejeita a possibilidade de descobrir fatos morais independentes por meio da razão; em vez disso, a objetividade realmente significa um ponto de vista construído que pode ser compartilhado por todos. Os princípios morais, portanto, não seriam nem tão verdadeiros, nem tão razoáveis para certos grupos humanos (Rawls afirma claramente que sua abordagem funciona apenas se as pessoas compartilharem certas intuições morais e hábitos de pensamento). Os únicos “fatos” morais são as descobertas de que tipo de resultado alguém pode esperar, dados certos procedimentos e circunstâncias. Na verdade, essa visão pode estar mais próxima da ciência do que algumas versões da continuidade, já que se pode razoavelmente esperar que alguns ramos da ciência — a teoria dos jogos, por exemplo — ajudem a descobrir os possíveis resultados de sistemas morais hipotéticos.
      O não-cognitivismo (por exemplo, Blackburn, 1988) propõe que há uma diferença acentuada entre significado moral e científico, embora, novamente, alguns expoentes dessa escola enfatizem as similaridades entre ética e ciência. Por exemplo, Gibbard (1997) enfatiza o uso da teoria dos jogos e da biologia evolutiva para entender como as normas morais passam a ser aceitas dentro de grupos humanos. É essa base evolutiva que ajuda a explicar o sentimento comum que as pessoas têm sobre a objetividade das crenças morais. Observe a surpreendente similaridade, aqui, com Foot e alguns aspectos do neoaristotelismo mencionados acima nas teorias da continuidade. No entanto, a descontinuidade para os não-cognitivistas decorre da conclusão de que os fatos sobre o mundo natural têm um papel explicativo que não é atribuível a conceitos morais. É por isso que dizer que algo está “errado” não é afirmar um fato, na visão não-cognitivista, mas expressar uma atitude que se sente como um fato (possivelmente por causa da evolução, acrescentemos).
     O último tipo de teoria da descontinuidade é representado pelas teorias da sensibilidade (por exemplo, McDowell, 1987; Wiggins, 1991). Aqui, a ideia básica é que os julgamentos normativos podem ser entendidos por uma analogia com qualidades secundárias, como as cores: fazer um julgamento normativo seria, então, exercer uma espécie de sensibilidade humana natural. No entanto, a questão óbvia é sobre quais objetos o julgamento moral pode ser um exercício de percepção, bem como exatamente de que tipo de sensibilidade se está falando. Os teóricos da sensibilidade afirmam que a cognição que eles imaginam diz respeito a objetos ou propriedades que não fazem parte do quadro explicativo das ciências naturais, nem podem ser reduzidos a elas. Embora isso, de fato, explique por que as pessoas que supostamente “experimentam” demandas morais tendem a vê-las como categóricas em vez de hipotéticas, não se pode deixar de pensar em muitas outras ilusões humanas nas quais as pessoas “sabem” algo que acaba estando apenas em suas cabeças.
      Vejo vários problemas gerais com a abordagem da descontinuidade. Em primeiro lugar, muitas vezes ela cai na especulação metafísica. A ética dentro da estrutura da descontinuidade é supostamente objetiva e universal (exceto pelas limitações auto-impostas reconhecidas por Rawls), e, ainda assim, as bases de tal objetividade e universalidade são consideradas completamente fora da estrutura de investigação das ciências naturais.[3] Isso parece exigir alguma justificativa forte, que é realmente pouco dada. Em segundo lugar, embora alguns teóricos da descontinuidade recorram a certos ramos da ciência para reforçar suas reivindicações, isso parece mais uma reflexão posterior, um recurso adicional desajeitado, em vez de uma integração orgânica entre ciência e ética em uma busca conjunta por conhecimento. É esse amálgama mais profundo de ciência e teoria moral que estou reivindicando.

A terceira via: uma abordagem quase-descontínua da ética e da ciência 

    A ideia básica aqui proposta é que ética e ciência não são nem contínuas nem descontínuas, ao menos nos sentidos defendidos até aqui por autores de ambos os lados. Em vez disso, penso que, embora a ciência seja necessária para nosso entendimento da moralidade humana, ela não é suficiente para resolver questões éticas. Portanto, um programa conjunto de pesquisa ética-ciência é necessário para progredirmos. Exploro essa possibilidade por meio de quatro exemplos de áreas em que ciência e ética podem trabalhar juntas, enquanto esta última mantém um caráter distinto e não se reduz simplesmente a um ramo da ciência – ao contrário do que defende, por exemplo, E. O. Wilson (1998). Os exemplos são necessariamente esboços, mas o objetivo é fornecer ao leitor uma base suficiente para julgar a validade da abordagem quase-contínua e uma introdução à literatura necessária, não para apresentar uma pesquisa completa de qualquer um desses campos. Concluo discutindo brevemente algumas das consequências e direções futuras desse programa de pesquisa.  
    A Neurobiologia da Moralidade. Talvez uma das áreas mais fascinantes de interação entre ciência e ética seja a pesquisa neurobiológica sobre como o cérebro humano toma decisões morais. Esse campo bastante novo é atualmente caracterizado por resultados muito experimentais e por muita especulação. No entanto, toda a área da ciência neurobiológica explodiu nos últimos anos, produzindo novos insights profundos não apenas sobre os detalhes essenciais da ação neuronal, mas também sobre questões gerais, como o aprendizado conceitual, a linguagem e a própria consciência (por exemplo, Anderson et al., 1999; Dolan, 1999; Adams, 2000; de Oliveira-Souza, 2000; Cardinal et al., 2001; Greene et al., 2001; Miller et al., 2001; Wallis, Anderson e Miller, 2001; Heekeren et al., 2002). Para esse, bem como para os próximos exemplos, não posso fornecer uma revisão abrangente (para uma revisão orientada filosoficamente, ver Casebeer e Churchland, 2003) ou mesmo tentar fazer justiça à massa de literatura acumulada até mesmo na última década. Em vez disso, simplesmente resumi estudos de caso representativos para fornecer uma compreensão geral de minha visão para um programa conjunto de pesquisa ciência-ética.
     Sabe-se que danos a setores do córtex pré-frontal estão associados ao comprometimento grave da capacidade de tomar decisões e à perturbação do comportamento social, mesmo que o conhecimento factual das convenções sociais e regras morais seja mantido. Steven W. Anderson e colegas (1999) conduziram um estudo para comparar os pacientes que sofreram o dano quando adultos com aqueles que o sofreram quando muito jovens (menos de dezesseis meses de idade). Os pacientes com danos precoces compartilhavam várias características, incluindo não responder a punições físicas ou verbais, propensão a pequenos furtos e mentiras, incapacidade de formular planos para o futuro ou de procurar ou manter um emprego, interesses limitados (geralmente em atividades passivas como assistir TV), comportamento financeiro imprudente, nenhuma expressão de remorso ou culpa e nenhuma evidência de empatia com outros seres humanos. Esses sujeitos com danos precoces tinham habilidades intelectuais normais, mas falharam em aprender regras e estratégias a partir de experiências repetidas ou de feedback, resultando em um prejuízo significativo do raciocínio sócio-moral.
      Talvez a descoberta mais interessante do estudo tenha sido que, embora a maioria dessas características fosse compartilhada por pacientes que sofreram dano na idade adulta, estes últimos mantiveram a capacidade de aprender sobre regras morais e compreender o raciocínio ético; eles apenas falharam em aplicá-las. De acordo com os pesquisadores, nos pacientes com danos precoces, “o raciocínio moral foi conduzido em um estágio muito inicial (‘pré-convencional’), no qual os dilemas morais foram abordados em grande parte a partir da perspectiva egocêntrica de evitar punição” (1999, p. 1033). Esses pacientes também falharam em fazer escolhas morais de longo prazo, fazendo escolhas eticamente questionáveis que levavam a ganhos imediatos, mesmo — e isso é o mais importante — quando podiam ver claramente a diferença entre as escolhas a partir de uma perspectiva racional. Esses resultados sugerem a existência de pelo menos dois sistemas distintos, um responsável pela aquisição do conhecimento moral (através do qual, neste contexto, se entendem as regras do tempo e da sociedade em que os sujeitos vivem), e o outro responsável por implementar tal conhecimento. Os autores também notaram que os perfis psicológicos desses pacientes são semelhantes aos dos psicopatas ou sociopatas e que, além disso, a psicopatia tem sido associada a disfunções nas regiões pré-frontais do cérebro. Do ponto de vista evolutivo, estudos experimentais em animais produziram resultados paralelos – por exemplo, a demonstração de dificuldades nas interações sociais em filhotes de macacos com lesões na amígdala e no córtex inferotemporal.
       Mas, embora tudo isso seja muito interessante, pode-se argumentar: isso não é uma questão de ciência descritiva e não de ética prescritiva? Talvez, mas meu ponto é que os dois não podem ser confundidos ou separados um do outro de forma salomônica. Se as verdades morais não estão “lá fora”, mas são moldadas pelas propensões naturais das pessoas, esses comportamentos são “errados” em um sentido muito especial – não normativo – porque surgem de danos a áreas específicas do cérebro que normalmente fundamentam o raciocínio ético. De certo modo, dizer que um indivíduo com danos neurológicos que afetam sua tomada de decisão ética está errado seria o mesmo que dizer que um computador com defeito conhecido nos deu a resposta errada quando instruído a realizar um cálculo matemático. Certamente não culparíamos o computador pelo erro, mesmo que o resultado ainda estivesse errado. Não pretendo simplificar demais as coisas e dizer que o comportamento das pessoas é tão determinista quanto o de um computador, mas também precisamos abandonar a ideia igualmente simplista de que podemos transcender nossa biologia por pura força de vontade. É claro que, se os pacientes que sofreram dano desenvolverem tendências sociopatas, eles precisam não apenas ser tratados, mas também impedidos de prejudicar a sociedade. Esse e outros estudos (referidos acima) mostram como a neurobiologia e a teoria evolutiva podem nos ajudar a entender por que observamos certos padrões comportamentais em seres humanos.
    Outra implicação da literatura neurobiológica sobre a tomada de decisão moral é que, embora os humanos sejam provavelmente predispostos (geneticamente programados) a adotar algumas regras morais, eles provavelmente não nasceram com nenhuma versão específica delas. Pode-se razoavelmente concluir que a moralidade é essencial para a vida em um animal social, mas que a versão específica do código moral a ser adotado varia dependendo, dentro de certos limites, das circunstâncias (incluindo, mas não se limitando, às culturais). Uma vez que aceitamos plenamente que o cérebro é apenas mais um órgão biológico, filosofar sobre a adequação de certos comportamentos (incluindo a teorização ética prescritiva) terá que ser limitado pelas características e limites do órgão em questão, da mesma forma que o entendimento do biólogo sobre o que os animais comem depende intimamente do estudo de seu aparelho mastigatório. (Isto é, reconhecidamente, uma simplificação.)
     Biologia Evolutiva Comparada. Uma segunda área de cooperação ética-ciência pode ser encontrada na biologia evolutiva comparada e no estudo de como os sistemas morais realmente evoluíram. Infelizmente, esse campo é muito controverso, porque é infestado por afirmações muitas vezes simplistas feitas por sociobiólogos e psicólogos evolucionistas (Pigliucci e Kaplan, 2000; Smith, Mulder e Hill, 2001; Kaplan, 2002). No entanto, meu princípio central é que a investigação filosófica pode ser informada pela melhor ciência disponível e tem a capacidade de raciocinar para além dos limites da ciência empírica. Obviamente, ao fazê-lo, a margem de erro aumenta, mas filosofar dentro das restrições da ciência é muito melhor do que filosofar sem quaisquer restrições (ou apenas dentro das restrições mais brandas da lógica). Exemplos recentes da aplicação da biologia evolutiva à evolução da moralidade foram fornecidos por Christopher Boehm (2000) e por Elliott Sober e David Sloan Wilson (1998). Vou discutir brevemente o último.
        Não estou, aqui, endossando a posição específica de Sober e Wilson expressa em Unto Others: The Evolution and Psychology of Unselfish Behavior (1998). Isso é irrelevante para o meu argumento. O que quero enfatizar é como um método de ética científica pode gerar hipóteses e explicações frutíferas que são relevantes para a teoria moral. Lembre-se que a certificação de uma “boa” teoria científica não é necessariamente sua verdade última (embora essa seja, certamente, uma qualidade altamente buscada), mas sim a quantidade de pesquisa útil que ela gera. Sober e Wilson se propuseram a mostrar como a evolução pode levar os eticistas para além da simples dicotomia apresentada por egoísmo e altruísmo que é fundamental para tantas discussões filosóficas. Eles começam observando que o altruísmo no sentido psicológico não precisa corresponder ao altruísmo evolutivo; na verdade, argumentam Sober e Wilson, o comportamento altruísta não requer nenhum pensamento consciente, ele pode ser inato. “Os conceitos de egoísmo psicológico e altruísmo dizem respeito aos motivos que as pessoas têm para agir como agem… Em contraste, os conceitos evolutivos dizem respeito aos efeitos do comportamento na sobrevivência e na reprodução… independentemente de como, ou se, elas pensam ou se sentem a respeito da ação” (1998, 6).[4]
      Essa distinção entre causas próximas (psicológicas) e últimas (evolutivas) é crucial para a compreensão de como a biologia pode interagir com a teoria ética. As consequências práticas dessa distinção também dificilmente podem ser superestimadas. Mais uma vez, Sober e Wilson:

… egoístas psicológicos que ajudam os outros porque isso os faz se sentir bem podem tornar o mundo um lugar melhor. E os altruístas psicológicos equivocados, ou cujos esforços fracassam, podem tornar o mundo pior. Embora os dois conceitos de altruísmo sejam distintos, eles geralmente são executados juntos. As pessoas às vezes concluem que, se o altruísmo genuíno não existe na natureza, então seria mera ilusão sustentar que o altruísmo psicológico existe na natureza humana. A inferência não se segue. (Wilson e Sober 2000, p. 186)

        A primeira parte do livro de Sober e Wilson é dedicada à defesa da teoria da seleção de grupo na biologia evolutiva. Dirijo o leitor à fonte original para os detalhes tecnicamente interessantes. Ainda é muito discutível se a seleção de grupo pode desempenhar um papel evolutivo relevante (Williams, 1992; Morell, 1996; Getty, 1999); no entanto, o que me interessa é o método de partir de uma teoria científica e de observações relevantes e expandir suas consequências para a ética, que é o que Sober e Wilson fazem na segunda parte de seu livro. Eles começam estabelecendo os parâmetros para a aceitação ou a refutação do egoísmo psicológico:

… quando o egoísmo psicológico procura explicar por que uma pessoa ajudou outra, não basta mostrar que uma das razões da ajuda foi o benefício próprio; isso é bastante consistente com a existência de outra razão, puramente altruísta, que o indivíduo tinha para ajudar. Simetricamente, para refutar o egoísmo, é preciso citar exemplos de ajuda em que apenas motivos voltados aos outros desempenham um papel. Se as pessoas às vezes ajudam tanto por motivos egoístas quanto altruístas, então o egoísmo psicológico é falso. (Wilson e Sober 2000, p. 197)

        De acordo com Sober e Wilson, a chave para apoiar as teorias filosóficas altruístas, mais do que as egoístas, é entender que a psicologia trata de mecanismos proximais, enquanto a evolução trata de causas finais. (Mais uma vez, James teria achado que isso está de acordo com seu pensamento). Assim, não há dúvida de que todos os organismos são evolutivamente egoístas. No entanto, isso deixa muito espaço para o altruísmo psicologicamente genuíno se ele promover objetivos evolutivos (neste caso, não apenas do indivíduo, mas da sociedade – daí a confiança na seleção de grupo). Na verdade, Sober e Wilson argumentam que um organismo pode adotar múltiplas estratégias evolutivas, produzindo uma verdadeira mistura de egoísmo e altruísmo que reflete o que sabemos ou intuímos sobre a natureza humana real. Por exemplo, é possível que um animal essencialmente hedonista forneça cuidados parentais de modo a maximizar a propagação de seus genes. A seleção natural garantirá que o cuidado parental seja associado ao prazer e dissociado tanto quanto possível da dor, para que o organismo se comporte de forma altruísta, porque essa é a melhor maneira de ser um egoísta evolutivo.
      Sober e Wilson concluem observando que a ética inclui um componente descritivo e um normativo e esperando que seu livro contribua para a exploração da hipótese de que a moralidade é – como Boehm (2000) argumentou – um resultado da seleção natural e, em particular, da seleção de grupos. A importância disso para a ética é destacada pelo fato de que “[t]oda teoria normativa se baseia em uma concepção da natureza humana…[5] A natureza humana circunscreve o que é possível… Se quisermos entender as capacidades que as pessoas têm agora, certamente uma compreensão de nosso passado evolutivo é crucial” (Wilson e Sober, 2000, p. 205). De fato, a teoria moral sem a biologia evolutiva é um empreendimento conduzido em um vácuo artificial. Isso não quer dizer que a teoria moral seja, ou possa ser, reduzida à teoria evolutiva, mas sim que as duas precisam se informar mutuamente. Perceber que algo evoluiu também não implica que não possamos mudá-lo – dentro de certos limites – se assim o desejarmos. No entanto, precisamos entender exatamente quais são esses limites, ou corremos o risco de embarcar em um programa utópico de reforma social fadado ao fracasso pela ignorância de nossa própria natureza.
     Teoria dos jogos. Uma terceira área potencialmente muito frutífera de contato entre ciência e ética é a da teoria dos jogos. Esse ramo da matemática tem desempenhado um papel cada vez mais importante na biologia evolutiva como uma forma de modelar os possíveis resultados da seleção natural dadas certas situações e restrições (Maynard-Smith, 1982; Williams, 1992b). Um bom exemplo é fornecido por Martin A. Nowak, Karen M. Page e Karl Sigmund (2000) em sua análise do jogo do ultimato e de como ele pode nos esclarecer sobre a distinção (ou falta dela, sob certas circunstâncias) entre racionalidade e justiça. O jogo é simples: dois jogadores devem concordar em como dividir uma quantia de dinheiro e eles só têm uma chance (ou seja, não há barganha). O proponente faz uma oferta; se o receptor aceitar, eles dividem o dinheiro da maneira proposta e, se não aceitar, ambos perdem tudo. É fácil demonstrar que o respondedor racional deve aceitar até mesmo pequenas quantias de dinheiro, porque a alternativa é não receber nada, e o respondedor não tem poder de negociação. Portanto, o proponente deve ser capaz de obter quase toda a soma. No entanto, quando o jogo é jogado por seres humanos – e mesmo quando os resultados são comparados entre culturas, com diferentes tipos de incentivos sendo oferecidos – a maioria dos proponentes oferece entre 40% e 50%, e até metade dos respondedores rejeita ofertas de menos de 30%. Pareceria que os seres humanos tendem a ser mais justos do que racionais.
      Mas Nowak e colegas observaram que as coisas podem não ser tão simples. Eles propuseram que os seres humanos reagem instintivamente sem perceber que não há possibilidade de jogar novamente. Estamos acostumados a interações repetidas, situações nas quais faz todo o sentido (ou seja, é racional) que o respondente “puna” o proponente por ser injusto. O proponente, nesse caso, perderá não só o dinheiro, mas também sua reputação. O respondente perderá menos dinheiro do que o proponente e terá a vantagem de ver sua reputação (de justiça, um valor social) aumentar em preparação para futuras interações. Nowak e seus colegas simularam um continuum de situações em que os jogadores tinham acesso a uma certa quantidade de informações uns sobre os outros (sua reputação), de zero a muito confiáveis. Sem informações disponíveis sobre o resultado de encontros anteriores, pode-se esperar que o sistema se equilibre em uma população de agentes racionais, não de jogadores justos. No entanto, quanto mais informações básicas são adicionadas, mais a estratégia estável muda primeiro em direção a múltiplos resultados potenciais (uma mistura de racionalidade e justiça) e, eventualmente, se estabelece na justiça. Isso é verdade qualquer que seja o mecanismo envolvido, seja aprendizado por tentativa e erro, imitação ou herança genética. Em outras palavras, levando em conta a reputação, a adaptação favorece a equidade, não havendo mais distinção entre esta e a razão, pois agora se torna irracional se comportar como se a reputação não fosse um fator. Uma mudança no ambiente (de não social para social) mudou o que significa agir racionalmente. Isso, segundo os autores, está de pleno acordo com os estudos publicados sobre o surgimento da cooperação e da barganha nas sociedades humanas. Para mim, isso representa um excelente exemplo de como a ciência (teoria dos jogos, neste caso) pode informar a teoria prescritiva ética, não apenas a ética como descrição: as circunstâncias (grau de sociabilidade) definem quais ações são racionais e – se alguém concorda com a ideia de que o julgamento ético pode ser alcançado racionalmente – definem o próprio julgamento moral.
   Antropologia Comparada. Minha quarta e última grande área de colaboração entre ética e ciência é a antropologia comparada. Nesse caso, o trabalho de conexão entre ética e ciência pode ser feito comparando as poucas sociedades humanas de caçadores-coletores remanescentes, outras sociedades “não modernas”, ou considerando sociedades tecnológicas coexistentes no mundo moderno. A literatura neste campo é vasta e certamente não está isenta de controvérsias. Algumas dessas referências envolveram diretamente o campo da ética, em particular a bioética. Por exemplo, L. Turner (1998) aplicou a perspectiva antropológica a questões bioéticas contemporâneas. Uso o seu trabalho como um exemplo de como a antropologia comparada pode informar a filosofia ética. Turner observa que alguns estudiosos enfatizam a existência de algum tipo de “moralidade central” que atravessa as sociedades humanas, enquanto outros afirmam que existe um grau de incomensurabilidade entre as crenças de diferentes culturas. Se, de fato, houvesse um “senso comum” compartilhado entre as culturas, a ética aplicada seria uma tarefa mais fácil do que parece. Seria possível passar de exemplos simples e paradigmáticos à consideração de situações mais sofisticadas a partir de uma linguagem ética pelo menos parcialmente comum. Isso se assemelha à ideia de Rawls de “consenso sobreposto” de tradições morais e religiosas levando a um equilíbrio reflexivo estável e coerente.[6] Infelizmente, observa Turner, a antropologia comparada mostra claramente como esses autores “não reconhecem até que ponto sua imaginação moral depende de (sua própria) história social, formação religiosa e status social” (1998, p. 129).
       Turner discute exemplos específicos, como dizer a verdade aos pacientes com câncer nos EUA em comparação com o Japão ou a Itália. Curiosamente, os dois últimos são culturas muito diferentes, com a Itália, em muitos aspectos, mais próxima do modelo americano do que do modelo japonês. Italianos e japoneses, em geral, não compartilham da atitude americana de que os pacientes têm o direito de ser informados de suas condições. De fato, médicos e familiares que protegem os pacientes do sofrimento nesses países são vistos como cumprindo seu papel social de promover a esperança e proteger seus entes queridos dos resultados do que é percebido como um conhecimento devastador. Esta não é apenas uma observação antropológica interessante, mas tem sérias consequências para a prática médica nos Estados Unidos. Como os Estados Unidos são uma sociedade multicultural, os médicos não podem simplesmente presumir que sua versão do “senso comum” é compartilhada por todos os seus pacientes, sob pena de encontrarem-se em águas bioeticamente problemáticas. Estudos antropológicos comparados de problemas como a eutanásia, a morte cerebral e os transplantes de órgãos podem auxiliar em caixas de Pandora éticas semelhantes. Turner conclui:

Ao invés de assumir a singularidade do senso comum, é possível argumentar que, ao longo do tempo, múltiplas redes poderiam se desenvolver, com noções de senso comum correspondentemente diferentes. De forma alternativa, pode existir uma única rede, dentro da qual toda reflexão humana ocorre. No entanto, essa rede pode ser tão elaborada e variada que os participantes humanos dentro de comunidades específicas podem ter apenas uma apreciação bastante limitada das afirmações feitas por participantes de outras comunidades. (1998, p. 133)

      Embora a antropologia comparada possa ser prontamente usada em problemas de ética aplicada, a comunidade metaética deveria se preocupar com isso? Afinal, os princípios morais podem ser inteiramente independentes das (e, de fato, estarem em contradição direta com as) normas específicas adotadas por qualquer sociedade humana particular em qualquer ponto do tempo: novamente, a distinção entre ética descritiva e prescritiva é aparente. Mas tal atitude vai contra a total falta de evidência objetiva para a existência de verdades morais “que estão lá fora” e vai contra a abordagem evolutiva adotada neste ensaio. Se a ética não é universal nem totalmente arbitrária, mas sim o resultado de contingências históricas e das necessidades de uma espécie particular de primatas, como defendo aqui, então os estudos antropológicos comparados podem fornecer o equivalente a experimentos naturais em biologia. Esses experimentos naturais podem ser comparados ao universo mais amplo de experimentos de simulação proporcionados por abordagens como a teoria dos jogos para estabelecer uma base teórico-empírica sólida para a ética não muito diferente daquela das ciências parcialmente históricas, como a biologia evolutiva. Tudo isso, é claro, com a ressalva de que podemos realmente mudar propositalmente do que é para o que pensamos que deveria ser, mantendo assim a semi-descontinuidade entre ética e ciência que é proposta como paradigma neste ensaio.

Implicações do novo programa para algumas visões éticas consolidadas

     O que a teoria dos jogos, a biologia evolutiva comparada, a antropologia comparada e a neurobiologia descobriram nos últimos anos tem o potencial de ter efeitos dramáticos em algumas posições e debates filosóficos de longa data. Uma exploração satisfatória de tais implicações constitui um programa de pesquisa em si e não será desenvolvido aqui; no entanto, seguindo o espírito geral deste ensaio, gostaria de dar uma amostra de como pode ser esse programa, esperando aguçar o apetite de outros filósofos inclinados a aprofundar esse assunto.
       Um primeiro exemplo vem da consideração da proposta de Kant de um dos mais duradouros sistemas de ética deontológica em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes ([1785] 1998). Nela, ele sugeriu que a vida moral é uma questão de racionalidade, não de emoções (claramente, ao contrário da opinião de Hume já discutida). De acordo com uma leitura estrita de Kant, as ações feitas por inclinações compassivas não têm valor moral. Em vez disso, é o dever, descoberto e implementado pelo pensamento racional, que é louvável.[7] Essa abordagem sempre me pareceu substancialmente em desacordo com tudo o que sabemos ou intuímos sobre a natureza humana e, ainda assim, gerou uma longa tradição, em ética, de considerar os méritos da racionalidade e seu papel supostamente fundamental na descoberta de verdades morais. O problema é que algumas descobertas surpreendentes em neurobiologia têm o potencial de cravar uma estaca mortal no cerne de qualquer argumento filosófico que vincule fortemente o pensamento racional e o dever moral.
     Talvez a mais intrigante dessas descobertas diga respeito a pacientes com danos extensos nas amígdalas, duas estruturas em forma de amêndoa embutidas nos lobos temporais que funcionam como portas de entrada para o sistema límbico. As vias límbicas fazem a mediação com a excitação emocional. Alguns pacientes apresentavam amígdalas completamente calcificadas (e, portanto, não funcionais), enquanto outros pacientes as perderam como resultado de acidente ou cirurgia. Desses pacientes, uma, estudada por António Damásio (1999), havia, essencialmente, perdido qualquer emoção negativa. Ela não sentia medo, independentemente do estímulo, e era incapaz de agir de maneira socialmente adequada sempre que uma reação saudável negativa ou cautelosa fosse necessária. A paciente, no entanto, retinha emoções positivas, o que tornava mais fácil para ela fazer amigos, mas também a colocava em situações sociais embaraçosas com o que humanos normais considerariam efusividades excessivas ou prematuras. Essa paciente manteve a capacidade de entender racionalmente em que circunstâncias ela deveria ter sido mais circunspecta ou temerosa ou deveria ter alterado seu comportamento social; no entanto, esse conhecimento intelectual era completamente inútil para ela, porque não vinha acompanhado de nenhuma base para comparação fornecida por respostas emocionais.
     V. S. Ramachandran (Ramachandran e Blakeslee, 1998) discute vários casos de danos cerebrais que afetam as respostas emocionais e a escolha moral, incluindo o que acontece com pacientes sem amígdalas. Ele compara esses indivíduos a versões de raça pura do Sr. Spock, o personagem vulcano em Star Trek, caracterizado por um embotamento geral de suas respostas emocionais, que pode ser medido pela ausência absoluta de respostas cutâneas galvânicas.[8] Um caso extremo é apresentado por indivíduos afetados pela rara síndrome de Cotard, que essencialmente desconecta todas as entradas sensoriais do sistema límbico, com o resultado de que os pacientes podem perceber e pensar racionalmente sobre o mundo, mas não têm como conectar qualquer emoção ao seu pensamento e percepção. Aqui, temos seres humanos que são capazes de pensamento racional conforme avaliado por qualquer medida padrão, mas que são completamente incapazes de respostas emocionais. Esses pacientes estão, de forma peculiar, convencidos de que estão mortos (a ponto de afirmarem sentir o cheiro de sua própria carne podre ou vermes rastejando em sua pele) (Ramachandran e Blakeslee 1998, p. 167). Os pacientes com síndrome de Cotard estão tão perto de experimentar a morte quanto podemos imaginar. Parece que o Sr. Spock não é realmente, afinal, um personagem crível, e que a pura racionalidade sem emoção não leva à vida moral, mas a uma existência de pesadelo caracterizada por uma completa indiferença em relação a qualquer aspecto da vida, moral ou não. Embora isso possa ser intrigante para um racionalista, faz todo o sentido para um biólogo evolucionista. Se o comportamento (moral ou não) é adaptativo e, portanto, favorecido pela seleção natural, ele deve estar associado (por seleção) a emoções agradáveis – e vice-versa, comportamento imoral a emoções desagradáveis – para “persuadir” as pessoas a agir de uma maneira ou de outra.[9] Isso não é diferente da explicação mais mundana de por que o sexo é prazeroso. Se não fosse, as pessoas não se envolveriam nele, e sua linhagem diminuiria rapidamente até a extinção.
       Quando se considera as peças do quebra-cabeça fornecido pela neurobiologia, a visão de moralidade de Hume, expressa em seu Tratado, se aproxima da realidade. Sua discussão sobre a relação entre emoções e razão é muito mais sensata do que a da maioria dos filósofos anteriores ou posteriores. Ele afirmou que a razão nunca pode fornecer um motivo para qualquer ação, porque isso vem de emoções e sentimentos. Ele criticou os filósofos que sustentavam que precisamos usar a razão para regular nossa conduta enquanto reprimimos nossas paixões. Como vimos, esses seres humanos “idealizados” semelhantes a Spock seriam totalmente disfuncionais na sociedade. Como diz Hume:

Não é contrário à razão eu preferir a destruição do mundo inteiro a um arranhão em meu dedo. Não é contrário à razão que eu escolha minha total destruição só para evitar o menor desconforto de um índio ou de uma pessoa que me é inteiramente desconhecida. Tampouco é contrário à razão eu preferir aquilo que reconheço ser para mim um bem menor a um bem maior, ou sentir uma afeição mais forte pelo primeiro que pelo segundo. ([1739–40] 1978, bk. 2, part 3, sect. 3, p. 415; Tratado, 2009, Livro 2, Parte 3, Seção 3, p. 452)

    Isso ressoa muito próximo dos casos que acabamos de discutir e com nossa consideração anterior de pacientes com lesão no lobo frontal que são incapazes de buscar seu próprio bem a longo prazo, embora compreendam sua situação de um ponto de vista racional. Isso, diz Hume, ocorre porque a razão é um meio para o fim das paixões e desejos. Ela pode nos dizer como satisfazer melhor os dois últimos, mas, por si só, não pode gerar nenhuma ação, como as vítimas da terrível síndrome de Cotard vivenciam muito bem. Embora eu não vá tão longe quanto Hume em sua famosa declaração sobre a relação entre razão e paixão citada no início deste artigo, sua visão, no entanto, adquire nova força com a pesquisa em neurobiologia.
    Um segundo exemplo das consequências de uma aproximação quase-contínua entre ciência e ética diz respeito às infindáveis discussões sobre egoísmo e altruísmo que assolam a literatura ética, como já mencionei. Trabalhos na linha de Sober e Wilson (1998) mostram que tal dicotomia pode desaparecer se considerarmos a distinção entre altruísmo/egoísmo psicológico e evolutivo e entendermos que o altruísmo psicológico perfeitamente genuíno pode ser o produto necessário do egoísmo evolutivo. Além disso, a teoria dos jogos, como vimos, na verdade mostra que conceitos como justiça e egoísmo racional dependem do ambiente em que os indivíduos vivem, de modo que faz todo o sentido (isto é, é vantajoso para o agente) ser cooperativo ou justo dentro de uma sociedade na qual a fofoca cria e destrói reputações. O egoísmo simplório pode ser completamente irracional em tais circunstâncias. O debate sobre altruísmo e egoísmo precisa considerar tais descobertas e outras pesquisas atuais nas ciências biológicas na medida em que casos que foram pensados como altruísmo podem acabar não o sendo e vice-versa.
    Outra ideia fundamental na filosofia moral que pode ser afetada por um continuum ciência-ética é o conceito de contrato social como base para a aceitação de nossas noções de moralidade e justiça. Brian Skyrms (2000) usa a teoria dos jogos para trazer discussões de contratos sociais semelhantes ao de Hobbes para o domínio da investigação científica. Skyrms começa considerando abordagens de teorias dos jogos simples que fazem as mesmas suposições de racionalidade dos agentes que são feitas pelas teorias filosóficas contratualistas. Ele, então, passa a mostrar que as teorias da racionalidade assim construídas tendem a destacar um único resultado no caso de jogos de soma zero, mas não no contexto mais amplo e realista de jogos de soma diferente de zero. Skyrms sugere que uma concepção muito mais razoável do contrato social e alinhada com o que emerge dos modelos da teoria dos jogos é encontrada (novamente) em Hume, que viu o contrato social como uma colcha de retalhos de convenções desenvolvidas ao longo do tempo. De fato, Skyrms comenta que os humeanos modernos, como Gibbard, “também se inspiram na dinâmica darwinista. O contrato social evoluiu (…) Diferentes culturas, com suas convenções sociais alternativas, podem ser instâncias de diferentes equilíbrios, cada uma com seu próprio centro de atração” (2000, p. 272).[10] Skyrms continua: “[h]á uma moral aqui para filósofos e teóricos políticos que atacaram a teoria dos jogos com base em seus pressupostos de racionalidade. A teoria dos jogos tem um domínio de aplicação muito mais amplo do que o sugerido por seu fundamento clássico” (p. 275).
   Um ponto importante a considerar é que os modelos darwinistas da teoria dos jogos permitem que uma pluralidade de estratégias, inclusive subótimas, coexistam em equilíbrio. Isso tem o potencial de levar a modelos filosóficos muito mais realistas das sociedades humanas, refletindo a observada multiplicidade atual e histórica de “soluções” que os humanos adotaram para garantir uma vida social mais ou menos harmoniosa (ou simplesmente estável). Informações sobre a variedade e aptidão dessas soluções alternativas podem vir da antropologia comparada, conforme discutido acima. Skyrms considera como exemplo o relaxamento de algumas premissas rígidas tipicamente incorporadas em modelos de teorias dos jogos de situações como o dilema do prisioneiro[11] e conclui que é realmente bastante fácil ver o surgimento da cooperação se sobrepondo ao egoísmo e que – novamente – simplesmente não faz sentido considerar um ou outro como racional porque a racionalidade depende do contexto. Em suas palavras: “[e]m condições como aquelas de encontros correlacionados, nas quais a teoria da dinâmica evolutiva está estruturalmente em desacordo com a teoria da escolha racional, a teoria evolutiva fornece a melhor explicação do comportamento humano” (2000, p. 282). Por causa dessas considerações, parece-me que especular sobre contratos sociais sem uma abordagem mais rigorosa, semelhante à teoria dos jogos, para apoiar as intuições de alguém pode, em breve, se tornar uma prática filosófica inaceitável.

Perspectiva futura

    Neste artigo, esbocei uma possível resolução do debate entre ética e ciência sobre continuidade/descontinuidade. Como G. W. F. Hegel propôs ([1821] 1952), muitos debates filosóficos podem ser colocados em termos de tese e antítese, cuja resolução pode forjar uma visão sintética que retém o melhor de ambas as posições originais. De fato, alguns autores que se consideram no campo da descontinuidade adotaram, na prática, a ideia da ciência necessariamente informando a ética que estou propondo aqui como um novo programa de pesquisa em teoria ética (por exemplo, Gibbard, 1997).
   O principal propósito do que estou sugerindo é o reconhecimento explícito de dois pontos: (1) a filosofia em geral (não apenas a ética) não pode prescindir de uma consideração séria e profunda das descobertas da ciência e (2) a ciência, por si só, não é capaz de abordar as amplas questões de interesse dos filósofos e, em última instância, da própria humanidade. O primeiro ponto está se tornando cada vez mais claro pelo fato de que os filósofos estão incorporando, cada vez mais, a ciência em seu trabalho (apesar do perigo do “cientificismo”: ver Sorell, 1991), percebendo que a ciência é a melhor ferramenta para fornecer ao filósofo condições de contorno [boundary conditions] para enquadrar suas teorias para que sejam relevantes para o mundo como ele é. Somos livres para especular sobre universos possíveis, mas, em última análise, estamos interessados no universo real em que temos de viver. Faz muito sentido, portanto – na verdade parece ser imperativo – usar a ciência para circunscrever esse mundo e, então, focar nosso filosofar dentro dos parâmetros realistas assim identificados.
    O segundo ponto é aceito pela maioria dos cientistas (exceto, por exemplo, por Wilson [1998]). A ciência é extremamente poderosa quando pode lidar com questões focadas de natureza empírica, mas quando o método científico é apresentado como o único árbitro em questões filosóficas mais amplas, falha, porque a evidência empírica não pode ser obtida ou é apenas um componente parcial de um quadro muito maior.
  O programa de pesquisa esboçado aqui requer que os especialistas em ética se tornem familiarizados com a linguagem da ciência, especialmente da biologia evolutiva, da teoria dos jogos, da antropologia comparada e da neurobiologia. Esta é uma tarefa realmente assustadora, mas recuar dela pode levar a disputas intermináveis e estéreis sobre assuntos cuja compreensão nunca avançaremos significativamente sem uma nova perspectiva. Ao mesmo tempo, os eticistas não podem fazer tudo. Certamente não se espera que conduzam experimentos neurobiológicos ou se envolvam em pesquisas antropológicas diretas. O próprio campo da filosofia ética é grande o suficiente para impedir que os indivíduos abranjam totalmente todo o espectro que descrevi aqui. Portanto, a verdadeira resposta deve estar em estreitas colaborações interdisciplinares entre eticistas e biólogos em uma nova e revigorante busca pela unidade do conhecimento. Isso era apenas concebível na época de James, mas agora é uma opção real oferecida pelos avanços da ciência atual e pode ser o desafio tanto para a ciência quanto para a filosofia no século XXi

[I]. Pode-se argumentar que a ciência – como qualquer conceito complexo – pode ser melhor compreendida como um conceito de “semelhança de família” no sentido de Wittgenstein, em vez de ser definida por alguma descontinuidade acentuada com outros tipos de atividades. Mesmo assim, a questão aqui é se o conjunto de propriedades de semelhança de família que define a ciência é suficientemente distinto daquele que define a ética.

[2] Na verdade, não estou defendendo, aqui, o reducionismo na ciência. O que tenho em mente está mais próximo da ideia de John Dupré (1993) de que níveis hierárquicos inferiores explicam como, e não o que é possível em níveis superiores. Assim, por exemplo, embora a genética molecular não possa ser usada para prever a resposta das populações à seleção natural, ela explica como a maquinaria genética dos organismos torna essa resposta possível.

[3] Pode-se argumentar que, nisso, a ética não é diferente da matemática. As verdades matemáticas não são investigadas da mesma forma que as verdades científicas. Existem intuições que são compartilhadas pela maioria dos matemáticos atuantes, como o que é considerado uma inferência válida e o que constitui um bom ponto de partida para o raciocínio, e as conclusões decorrem delas. Há dois problemas com esta réplica, tanto quanto posso ver. Primeiro, a matemática não é uma ciência no sentido de ter como objetivo a compreensão do mundo físico natural; ao contrário, é um sistema lógico independente que permaneceria inalterado mesmo se o mundo exterior fosse dramaticamente diferente do que é. Em segundo lugar, nem todos os teóricos morais compartilham os mesmos tipos de intuições e metodologias de raciocínio, o que torna a matemática uma disciplina lógica muito mais rigorosa do que a ética.

[4] A lacuna entre esses dois níveis é preenchida por várias outras camadas, incluindo exatamente o que acontece no cérebro que resulta na realização de uma determinada ação. Esse nível intermediário de causalidade é abordado pela literatura neurológica discutida acima.

[5] Não estou tão convencido disso quanto Sober e Wilson. Acho que toda teoria normativa deveria ser baseada em uma concepção da natureza humana, mas vejo a de Kant como uma que claramente não é. Por outro lado, acho que é exatamente por isso que o sistema kantiano encontra tantos problemas quando aplicado a seres humanos reais.

[6] No entanto, como já apontei, Rawls não pensa que esse consenso sobreposto abrangerá todos no mundo ou mesmo todos nos Estados Unidos. De fato, uma parte significativa de sua Uma teoria da justiça (1971) é dedicada ao problema daquelas pessoas dentro de uma sociedade às quais este “consenso” não se aplica, e que também não são abrangidas por ele, e que discordam da maioria sobre coisas tão básicas que é impossível engajá-las no raciocínio moral como entendido pela maioria dos membros da sociedade.

[7]Percebo que alguns neokantianos pensam que essa interpretação de Kant é extrema, mas veja Singer, 1995 em apoio à minha compreensão do valor moral em Kant.

[8] Observe que em todos esses casos os pacientes são normais, de modo que esses exemplos não podem ser simplesmente descartados como aberrantes e não informativos. Além disso, a neurobiologia experimental está criando instrumentos cada vez mais sofisticados, capazes de estudar os efeitos de pequenas alterações no cérebro, bem como métodos para estudar o cérebro intacto em ação. Em certo sentido, essas abordagens são o equivalente neurobiológico ao uso de mutações na genética para estudar como os organismos vivos são constituídos. Apesar das limitações, esse último programa de pesquisa tornou-se um dos mais bem-sucedidos da ciência do século XX.

[9] Este princípio também é aplicado na forma de um sistema de sanções e recompensas dentro de qualquer sociedade que deseje impor um determinado conjunto de regras, não importa o quão arbitrárias (ver Sober e Wilson, 1998, cap. 5). A diferença no caso da seleção natural é que ela funciona por longos períodos de tempo e leva à evolução de sentimentos altamente internalizados e, portanto, mais estáveis e difíceis de superar. É por isso que a biologia impõe um limite mais estrito do que a cultura ao que podemos fazer.

[10] A referência a “centro de atração” está no contexto da teoria do caos/complexidade, embora a extensão em que esta última seja relevante para modelos de teoria dos jogos ou da ecologia evolutiva em geral ainda esteja em discussão (Stone, 1994; Solé et al., 1999).

[11]. O dilema do prisioneiro é uma categoria clássica de situações da teoria dos jogos em que dois jogadores devem decidir se cooperam ou desertam, com base em uma matriz de recompensas (por cooperar) e penalidades ou custos (por desertar). Acontece que, se o dilema do prisioneiro for jogado em uma única rodada, a deserção é o resultado típico, embora muitas vezes custe a ambos os jogadores; entretanto, quando o jogo é jogado de forma iterativa (simulando interações sociais repetidas), a cooperação surge como a estratégia racional, pois ajuda um determinado jogador a construir e a manter uma “reputação” dentro do grupo.

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Citação bibliográfica deste artigo:

PIGLIUCCI,  Massimo. Sobre a Relação entre Ciência e Ética. Trad. Iago P. Silva, Maíra Bittencourt,  Maria I. Baggio, Miécio R. M. Júnior, Paulo Marcos da Silva e Walter V. O. Silva. Boletim de História e Filosofia da Biologia, 17 (1), mar. 2023. Versão online disponível em: https://www.abfhib.org/boletins/boletim-hfb-volume-17-numero-1-marco-de-2023/traducao-de-artigo-sobre-a-relacao-entre-ciencia-e-etica/. Acesso em: dd/mm/aaaa. [colocar a data de acesso à versão online]